Historiando!
Olá leitores! Começando o ano e logo no primeiro mês pah!Uma história emocionante que vai além dos nossos medos, da nossa capacidade de doação. Venho contar algo que marcou minha vida profissional no inicio de
carreira.
Bom! Logo que me formei veio a felicidade do diploma e a ansiedade para logo atuar. Naquela época e isso já fazem mais de dez anos não era comum contratar profissionais sem experiência. Minha insistência foi tamanha que coloquei na cabeça que minha primeira experiência seria em um hospital público. Isso mesmo, coragem!!!!
Foram incansáveis dias ligando para a prefeitura de minha região pedindo um estágio. Sempre atenciosos e me negando a oportunidade eis que um dia me ligaram perguntando se tinha mesmo interesse em trabalhar com eles.
Eu fiquei trêmula e prontamente respondi de forma afirmativa. Chegando lá não fizeram muitas perguntas e já estava no outro dia finalmente com meu uniforme branco, branquíssimo pronta para atuar.
Era uma unidade clínica, com pacientes pós-uti, poucos caminhavam. A equipe era de uma única pessoa, o restante todos concursados cansados de trabalharem sob pressão resolveram bater o cartão e foram embora indignados por falta de um ambiente de trabalho digno, levaram suspensão por tempo indeterminado. Eu entrei justamente aí, num caos total e sem experiência.
Já no primeiro dia assumi nove pacientes de um quarto onde todos eram dependentes e acamados. Tinha tudo por fazer, mas tinha boa vontade e medo. Pra mim tudo era pra ontem, qualquer coisa já estava morrendo. Passava muito raiva, me sentia incapaz de fazer aquele trabalho que se misturava a gratidão de ter recebido a oportunidade daquele emprego.
Mas um paciente em questão do quarto 94, leito B foi o que marcou minha vida e minha carreira.
Osmar era seu nome, um idoso e morador de rua, com atrofia muscular ( diminuição do volume do músculo). Fiquei atendendo ele exatamente quinze dias até sua morte.
Meu primeiro contato com ele foi para ajudar em uma troca de fraldas com uma colega que estava fazendo extra. Me lembro exatamente das palavras dela, olha só todo cagado de novo, que nojo!
Nojo tive eu de ouvir aquilo dela. Pensei o que todo mundo fala quando entra para área da saúde? Não é para ajudar as pessoas e fazer o bem? Acredito que aquele não era o objetivo dela.
O olhar daquele senhor era de submissão, desistência da própria vida e descrença no ser humano. Ele não falava e não se permitia olhar pra ninguém. Quando chego no outro dia pra pegar meu plantão descubro que aquele será o quarto que irei atender. Logo penso naquele senhor com olhar assustado e ao mesmo tempo assustador. Planejei deixá-lo por último no atendimento. Contei até cem e com a voz trêmula cheguei e disse: – Boa tarde Sr. Osmar, meu nome é Tatiana sou técnica de enfermagem e vou ficar cuidando do senhor hoje, me diga está tudo bem contigo? O senhor tem alguma dor? Em troca recebo de resposta a indiferença. Precisava tocá-lo.Disse, eu preciso te olhar e examinar vou te descobrir um pouco, com licença? Seu olhar ficou parado para o nada. Com muito medo e uma certa distância fiz o meu trabalho e no final disse, qualquer coisa é só me chamar tá? Eu não sabia nada dele, não tinha tempo pra me inteirar de sua história e nem seu diagnóstico, que não fosse somente acreditar no que me falavam na passagem de plantão.
Todos os dias chegava nele da mesma forma e todos os dias era tratada com indiferença. Até que comecei a fazer perguntas à ele e eu mesma responder.
Está tudo bem com o Senhor? Eu mesma dava a voz: _ Olha enfermeira hoje estou com um pouco de dor e febre. Claro eu falava isso porque já sabia que ele estava com febre. Então eu respondia, pode deixar já vou fazer um remédio que vai deixá-lo melhor.
Ele me olhava arregalado como quem quisesse me falar algo…socorro tirem essa mulher daqui, ela é louca!!!
Limpava sua fralda e conversava com ele,mesmo sem resposta. Nossa como o senhor mesmo me falou estava bem suja sua fralda.Foram quase quinze dias a mesma atitude. Na segunda semana fazendo anamnese, para quem não sabe é o exame físico e visual que fazemos no inicio de plantão, pergunto ao senhor Osmar: -Boa tarde! Está tudo bem com senhor? Tem alguma dor? E sou surpreendida com uma voz bem baixinha e tímida…estou com frio e dor. Achei que era alguém fazendo uma pegadinha comigo e faço a mesma pergunta e percebo que foi ele quem respondeu. Meu coração disparou e minha voz era de choro ,respondi já vou lhe ajudar.
Não acreditei!!! Fui prontamente socorrê-lo. Ele me olhou pela primeira vez nos olhos de forma carinhosa. Mas não era sempre que me respondia. Até que um dia comecei a conversar com ele como se soubesse da vida dele. As perguntas foram as mais diversas…o senhor mora na rua porque? Eu mesma respondia: – prefiro assim. Tem famíla? – prefiro não comentar. Gosta de gelatina? – Gosto, como era eu quem respondia as minhas perguntas me arrisquei a falar, a minha preferida é de uva. Foi então que ouvi uma gargalhada dele e ainda me disse, a enfermeira é louca? Nem deixa eu responder as suas perguntas. Todos no quarto entre pacientes e familiares riram. Eu respondi, o senhor não responde as minhas perguntas então dou voz as suas prováveis respostas. Enfim, ali fui conseguindo criar entre meu paciente e eu um vínculo de confiança.
Ele começou a pedir que me chamassem quando sentia desconforto. Os familiares de outros pacientes corriam atrás de mim…enfermeira, enfermeira, o vô tá te chamando. Largava tudo o que estava fazendo e ia ver. As vezes ele me falava, quase não te vi hoje, era pra saber se você está bem.
Ficava ansiosa por atendê-lo. Como ele começou a falar a consequência foi que outros colegas dessem mais atenção à ele. Cheguei um dia no quarto e uma colega da manhã havia feito sua barba e cortado seu cabelo. Parecia outra pessoa, seu rosto estava mais sereno.
Até que um dia senhor Osmar me chama no quarto porque não era meu paciente naquele dia para me avisar de sua partida. Olha enfermeira eu quero agradecer por tudo o que me fez, mas quero me despedir de ti. Hoje de madrugada eu vou partir dessa vida pra uma outra. Minha missão aqui eu já cumpri, vivi muito nessa vida. Conheci das mais variadas pessoas, das boas às más. Mas foi com você que aprendi que tem pessoas a quem podemos confiar. Minha partida será exatamente duas horas da manhã e você sentirá minha presença da meia noite até a hora que partir do seu lado. Estarei sempre do seu lado na sua jornada te abençoando. Você irá sentir minha presença. Disse à ele, será? E ele me respondeu você vai chegar aqui amanhã e eu não estarei mais aqui.
Quando cheguei no outro dia vejo no quadro dos pacientes outro nome e pergunto aos meus colegas do senhor Osmar e me falam ele faleceu de madrugada.
Esse é meu relato…
O desconhecido amedronta, mas quem não se lança à ele não amadurece!!!
Até a próxima galera…
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